Das mãos para fora

No final de tudo o que mais dor tem é, sem sombra de dúvida, as últimas letras escritas. E eu espero que não sejam estas, não! As últimas expressões, o ponto final, a forma como se conclui o texto escrito, o apagar constante de termos para adequar a palavra e o texto. É não saber o que fazer e, incrivelmente, ter uma ideia fascinante.
Há sempre quem decida escrever das "mãos para fora", se das mãos também resultar alguma coisa, e o texto sai tão melhor quanto o poder de expressão da pessoa que deixou o texto sair.
Por outro lado têm-se as emoções, que essas desempenham a função essencial. Eu, por exemplo, neste momento. Apetece-me simultaneamente matar alguém e beijá-la, da mesma forma que me apetece um copo de água. Um simples copo de água. E este texto é fruto de uma mistura de emoções pouco definida. Uma mistura irracional de murros e chapadas na cara, que doem quase tanto quanto a morte, se no leito da morte estivesse.
No meio disto tudo há o ponto crítico. Aquele em que, sem saber bem porquê, alguém tem uma epifania e decide escrever o que sente. E depois... depois é só deixar o texto correr-te nas veias da escrita, no bater do coração e sair na forma de letras escritas que, continuo a dizer, espero não serem as últimas.

Texto

Faço coisas que não devia.
Por medo, insegurança, talvez até por pensar demais, mas todos os dias faço coisas que não devia.
Não devia, e isso é inexplicável, ter começado a escrever este texto e embora o saiba não paro de o fazer, nem um segundo. Não é que não seja correto, mas parte de mim não quer. Não é discriminação, nem sequer é falta de vontade. Ainda assim, é-o todos os dias, de uma forma ou de outra.
Não devia, e lamento, estar a continuar a escrever este texto. Perdoe-me quem possa pela indecência de continuar como se as letras fluíssem sozinhas. É pelas vezes em que o texto está parado, sem letras e palavras. Nem as interjeições, que mesmo curtas tanto transmitem a quem as bem interpreta, ai!
Devia ter parado no início e a culpa é minha.
Não devia ter deixado o texto fluir. Se parte de mim não conseguia então devia ter parado. Em nenhum momento me arrependo do que está escrito. Não foi errado ou despreocupado.
Apagar um texto não é tão simples como usar uma borracha. Não é tão simples como reunir as letras e transformar o seu sentido. O texto está escrito.
Mesmo assim, todos os dias faço coisas que não devia e isso sim, faz de mim humano.
Não devia estar a colocar este ponto final, mas é o mais correto... ou não.

Amor, com certeza!

O céu estava cinzento. Certamente choveria naquela noite, mas não ainda. O sabor a mar estava presente assim como a brisa. 
Da mesma maneira doce, ela pegou na mão dele e uniu-a à dela numa forma profunda, envolta de paixão. 
Seguiram pela estrada abaixo em direção ao mar. A noite estava fria. Gentilmente, ele foi capaz de lhe oferecer o seu casaco. 
Na praia, ficaram abraçados ouvindo o mar e ouvindo-se um ao outro num suspiro de sedução. Pouco passou até que os seus lábios se tocaram como as ondas daquele calmo mar. Depressa perceberam que o que os unia era aquele mar e aquela lua... aquela distante lua que naquela noite parecia mais perto da Terra quase que tocando o mar. Os seus olhos brilhavam da mesma forma que aquelas estrelas cobertas pelas nuvens. 
(...)
Ela sabia sempre o que dizer, fizesse frio ou calor, e ele sabia aconchegá-la como ninguém. Eram um do outro e sabiam-no.
Ficaram a maravilhar-se mutuamente enquanto se beijavam. E os lábios doces dela faziam-no derreter... de paixão. 
A noite ficara quente ou o calor pairava ao lado deles.
A noite começava a ficar clara... o sol queria espreitar e foi aí que decidiram sair dali mas não sem a certeza de que se amavam. E que certeza!

Desespero

É sem dúvida um desespero esse que me tem atormentado os sonhos e o acordar. Vem com certeza também acompanhado de muita euforia. Uma daquelas que nos deixa estáticos e cansados de tanto movimento.
Se a cada mal corresponde um bem porque não pensar duas vezes? Antes de pisar o bom que o mal tem. Não sei! É quase como amar. Se tem tudo o que queres? Bem, essa é uma grande questão. Dás por ti a acordar a meio da noite e a imaginar o que faziam as vossas mãos juntas no momento crucial.
Posso bem com uma dor de cabeça, mas das pequeninas que as outras dão cabo de mim.
É quase sempre justo perguntar se faz sentido, quase!
Mas... como dizia; é sem dúvida um desespero. Não dos miúdos ou dos que me deixem de pernas para o ar. É "só" um desespero.

Manicómio

De repente uma porta fecha-se.
A sombra passa à frente da luz que passa pelo vidro da porta e o rosto aparece meio desaparecido na penumbra. Procura chamar a atenção mas a atenção da sala está concentrada na atenção de cada um em não prestar atenção a nada. Desce as três pequenas escadas de madeira em frente à porta em direção ao centro da confusão da sala. Não diz uma única palavra.
Senta-se numa cadeira ao lado de outros três que estão a ler o jornal de há três dias atrás mas o que importa é a intenção; Sim, essa! A de não prestar atenção.
No meio da multidão cresce o barulho e eis que o barulho se impõe na escuridão do silêncio quente da sala. Um dos presentes ainda se tenta refrescar com um papel dobrado em forma de leque manual. Depressa o calor passa e a chuva lá fora começa a trazer aos irrequietos a memória de uma roupa estendida no exterior das suas casas ou uma janela mal fechada. "A minha casa vai estar encharcada", pensam eles.
O mal disto tudo é que alguém que chegou ainda está ali à espera, à espera de não saber bem o quê, se de uma carta mal escrita ou de um conselho mal dito. "Mais me valia ter ficado em casa que isto hoje não vai dar em nada".
Um olhar cruzado entre dois intervenientes depressa se descruza com a consciente ideia de pecado no olhar depravado do outro. 
É chegada, então, a hora de se afastarem todos. Mas cada um para o seu quarto. O seu quarto privado, o seu pequeno mundo. Já vão poder recolher a roupa que deixaram estendida e fechar a janela do quarto. 

Definição

Todos procuramos algo. Sim, todos! À primeira vista pensar-se-ia que é tão simples, mas simplicidade não rima, de todo, com esta busca.
Todos sonhamos. Sim, todos, mas não é isso que desfaz a nossa vontade nem, por outro lado, faz a nossa loucura maior. Apenas a torna mais lúcida.
Podemos esperar uma vida inteira, mas é garantido que nada nos cairá aos pés. Essa procura não terá sido, sequer, iniciada e terás tido uma vida obsoleta. No final das coisas, só saberás o que não tiveste.
Se, por outro lado, a busca se resumir ao material, então teremos o nosso problema talvez simplificado pela facilidade com que hoje se obtêm coisas. Mas não acredito nisso.
O que toda a gente busca é o mesmo mas que ninguém sabe descrever.
Não é material, é psicológico, mas que ultrapassa a nossa capacidade de ver a olho nu, que esse só tende a ver o que é fácil de ver.
Feitas as contas, é tudo uma questão de matemática (ou então fiz mal as contas) e não há porque não tentar.
Eu não vou querer saber o que não fiz. Eu vou querer saber do que fiz, e o mundo também. É disso que se trata. De não ser usual. Porque o banal cansa...mesmo.
Eu vou querer acordar um dia, num dia chuvoso talvez, e dizer que está na hora e mesmo aí a lógica destruída por uma espécie de vida semi-vivida dir-me-à que não foi suficiente.
Aí saberei definir o que sempre quis. Contudo, será tarde demais.

Coisas a fazer antes de morrer - Parte I

Um dia acordei e disse a mim mesmo que gostava de beijar à chuva. Não um beijo qualquer daqueles de despedida ou de cumprimento; um beijo intenso e maduro. Um beijo com sabor a amor e morango, se possível. Daqueles bem quentes e antiquados. Sem que ninguém veja, num espaço aberto mas reservado. Na rua, ao lado de uma árvore. Um beijo húmido mas absorvente. É um desejo, uma vontade. É algo incontrolável que preciso fazer antes de morrer.
E ainda me perguntam porque gosto tanto de chuva.

Aquilo que não tenho

De que me adianta falar do que não tenho? Sim, do que não é meu ou alguma vez foi, de que me vale? É como falar de uma felicidade que não é nossa, de um anel de noivado que não nos foi dado. É quase tão mau quanto afirmar ter fome e ter a barriga cheia. Provavelmente a culpa é minha. Mais minha que de alguém que nem poderia imaginar, sequer, ser dela. É! A culpa só poderá ser minha. Sou eu que tenho a culpa de não respirar e de não escrever como devia. Sou eu! Sou eu porque quero sempre o que não tenho e não posso ter, e porque falar do que não tenho não faz sentido. É inútil! Mas coisas inúteis há por todo o lado... e nem essas tenho.

Tudo e mais nada

Já pensei em deixar de pensar.
Deixei de sonhar enquanto dormia.
Deixei de olhar enquanto via.
Sonhava mas era como se fosse tudo escuro.
Ouvia mas não sorria.
Sentia o perfume e não vivia.
Respirar só o que não há para respirar.
Gritar num silêncio emudecido.
Andar num caminho, parado.
Esperei enquanto deu.
Colhi nuvens e pintei o céu todo de branco.
Acordei durante a noite e dormi durante o dia, semanas a fio.
Troquei minutos por segundos e horas por meses.
Achei que o mais longo era mais curto
e jurei a pés juntos que eu não tinha razão.
Tudo e mais nada.


Para a frente

Dou por mim a olhar para atrás. Não uma vez, como estaríamos a pensar naquela logo imediata ao acontecido, mas umas mil de cada vez que oiço algum som que me leva atrás dois anos, ou duas horas. Umas mil vezes desde que as horas passam até que o tique-taque passa a ser mais longo, nas horas de maior sufoco. 
E depois são aromas. Daqueles que despoletam uma série de reações corporais de arrependimento ou até saudade, nunca ambos. Chegam a ser demorados esses aromas, costumam tramar-me e deixar-me num beco sem saída. 
É como se não soubesse explicar, nem por aqui nem por acolá as coisas que me passam na cabeça. Tenho dificuldades de expressão e digo tudo numa linguagem muito própria, estendível ao nível mais complexo dos existentes. 
Chego a ter medo de não ser compreendido. 
E é aí que volto a olhar para a frente.

Há sempre dois lados

"Há sempre dois lados."
Dito isto, temos todos os leitores a pensar no esquerdo e no direito e a chamarem-me idiota porque os levei a pensarem nisso.
Numa longa viagem percebemos que o irregular deixa marcas e é quase sempre mais recordado que o banal, ou não fosse o mundo como é. Damos por nós a dar importância a coisas que já estão mais claras que o albúmen do ovo e esquecemos a verdadeira pergunta, a que nem sequer é levantada mas que sempre existe. O que também existe, mas só depois, é uma angústia resultante da soma de uma constante interrogação a uma indubitável incerteza.
Assim, numa de direitas e esquerdas há o lado menor e o maior, o bem e o mal... de pessoas capazes de completar esta simples sequência está o mundo cheio, não duvido, mas poucas são as que se debruçam sobre a questão, a que ainda não foi levantada desde o início desta escrita.
Tentados a chegar a uma resposta para a qual nenhuma pergunta foi feita, sentimo-nos tentados a inclinar a cabeça para a direita e para a esquerda quase que em sentido negativo. Não há nada a temer ainda.
Resultado desta divisão de perguntas, eis que a pergunta-mor surge, não que fosse levantada mas que se quer saber a sua resposta, isso sim! E que a curiosidade matou o gato lá isso matou, mas ninguém quer saber agora. O que as pessoas querem saber é para que lado fugir quando o sol não raiar de manhã. E chegados ao cerne da questão o vulgar humano responde, num mau humor matinal quase desgraçado: "Há sempre dois lados."

Perceção

Hoje entendi que perceção não é válida para todos da mesma redonda forma.
Numa conversa nada desprovida de interesse entendi que a generalização, ainda que partindo do particular, pode resultar numa forma de proteção. 
A vida nem sempre é igualmente luminosa, as gargalhadas nem sempre fazem sentido e o ridículo é crermos que sim. Nem sempre a vida tem a sua atual claridade.
Descobri também, no outro lado da conversa, que a felicidade tem outros princípios que não só fazer-nos felizes. Pode levar-nos a cometer loucuras, pensar amarguradamente e criar campos de defesa avançados dos quais dificilmente nos livramos. É errado pensar que tudo nos vai correr bem, no entanto, nem tudo nos irá correr mal.
Mudando de localização, apercebi-me de como momentos pontuais podem fazer-nos verdadeiramente felizes, embora momentaneamente. 
Tentei, e dentro de um mesmo contexto, perceber que fase da lua era a de hoje, e a lado nenhum cheguei.

A ideia do "valer a pena"

Chegada uma determinada altura na vida toda a gente se pergunta, numa forma localizada de ver as coisas, se o que fazemos vale mesmo a pena. Ora tão depressa a pergunta se faz como desfaz. A ideia de "valer a pena" é quase tão curva quanto a equação linear da reta real.
Não é uma questão de intuição ou de desespero, é uma questão de aproveitamento. É quase tão claro que o sol se põe todos os dias como a fome no mundo, porque ambos existem. O que vale mesmo a pena, aqui, é o saber aproveitar, que de uma forma ou de outra só dependem do ambiente e da personagem.
Uma vez disseram-me que a paisagem vista do local x valia muito a pena. É só uma questão de perceção, claramente.
Se por um lado a vida desse lado é um tanto distorcida, deste outro, não menor nem pior, tem uma dose de loucura quase letal. Quase inimiga do aceitável, que só depende da velocidade com que as coisas se vão e não voltam, a verdadeira luz do "valeu a pena" só diz respeito ao íntimo, que não é partilhado... é reservado.

Direção

Ouço um vento que sopra numa melodia harmoniosa quase embaladora e me leva aos confins dum deserto apagado e quase escurecido pela penumbra assombrada do peso da consciência.
A gravidade da situação é quase tão grande quanto a real num valor aproximado às décimas de nove vírgula oito metros por segundo quadrado. Agarrado e firme ao chão sigo agora em frente em direção à mais clara das certezas que tenho.
Num ponto exímio de cor branca vejo aonde tenho que ir. Já!

Claridade

Tão claro que me feria os escuros olhos que tinha, o sol, naquele dia, brilhava mais que o habitual. Um crescente calor fez com que sentisse necessidade de arregaçar ambas as mangas da camisola branca que trazia vestida. Comecei a descer a rua.
A luz branca vinda do sol, policromática, refletia nos charcos formados da chuva da noite anterior. A refração da luz permitia ver todo um arco íris. 
Enquanto captava o momento com o olhar fixo senti uma leve brisa quente que como que um sopro abafado me trazia à triste realidade de que aquele dia não era, de fato, um dia de verão.